Aqui nom houvo frente de guerra, mas sim um extermínio bem planificado e organizado, de todos aqueles que ousárom questionar a sociedade feudal ainda vigente em 1936. As sanguinárias milícias falangistas de Bande, dirigidas polo “Fragueira”, tentárom exterminar os diretivos do Sindicato Campesinho de Souto, que nom tinham logrado agochar-se ou procurar refúgio em Portugal.
Por Carlos Morais / Comité pola Memória Histórica do Val do Límia
Outeiro da Cela, Mugueimes
Val do Límia, 17 de setembro de 2023
Fomos convocados aqui, polas lembranças imperecedoiras de centos de famílias que nunca esquecérom o que aconteceu na Terra do Milho, naquele verao de chumbo e sangue de número mil nove trinta e seis.
Superado o equador do mês das festas, das verbenas e das romarias, a barbárie tingida de azul truncou violentamente a mais frutífera etapa da nossa história.
Eliminar, realmente fulminar, os mais destacados homes e mulheres, que no curto período republicano tentárom alterar o curso da história, restituindo direitos e liberdades para as imensas maiorias oprimidas e empobrecidas, a custa de suprimir os privilégios dumhas elites empoleiradas na obscena fartura, foi o que se tentou aplicar seguindo as instruçons do general Mola.
“Terá-se em conta que a açom há de ser em extremo violenta para reduzir o antes possível o inimigo, que é forte e bem organizado.
Desde logo serám encarcerados todos os diretivos dos partidos políticos, sociedades e sindicatos nom afetos ao movimento, aplicando-lhes castigos exemplares aos devanditos indivíduos para estrangular os movimentos de rebeldia ou greves. Conquistado o poder instaurará umha ditadura militar que tenha por missom imediata restabelecer a ordem pública, impor o império da lei e reforçar convenientemente o exército, para consolidar a situaçom de feito que passará a ser de direito”.
“Devemos estender o terror, devemos impor a impressom de domínio enquanto eliminamos sem escrúpulos todos os que nom pensem como nós”.
O plano criminal de Mola foi implementado também nesta comarca. Aplicado com o beneplácito dos que durante séculos se considerárom donos e senhores dos labregos que trabalhavam as suas terras em troca de abusos impositivos e miséria.
Quando os cálidos ventos escarlata do leste da Europa começárom a soprar no nosso país, e também chegárom à nossa pátria querquenna, quando o fabuloso cerebro coletivo da segunda geraçom bolchevique ourensana comandada por Benigno Álvarez, logrou convencer quem nada tinha, mais que o suor e o cansaço acumulado de séculos sachando e sachando, que chegara o momento de dizer basta e abolir o foro sem indenizaçom –porque a terra é para quem a trabalha-, a velha fidalguia, o clero e a casta militar, optou por quebrar as regras do jogo da democracia burguesa.
A contundente vitória eleitoral da Frente Popular no final do inverno, tinha acelerado a chegada da primavera. Esta abrolhou mediante umha explosom popular de entusiasmo, alegria e luz, no sonoro mil nove trinta e seis.
As imensas maiorias estavam adquirindo consciência. Já nom se submetiam ao conformismo e resignaçom que se proclamava desde os púlpitos e impunha a golpe de coronha a guarda civil.
Após séculos de ter sido um couto exclusivo dos ricos e dos seus capatazes, a Corporaçom municipal de Moinhos de março de 1936, passa a ser dirigida por jornaleiros, labregos e artesaos, representaçom genuina da imensa maioria social dos excluidos e sem voz.
Os tempos estavam mudando a velocidade meteórica! Eles, sabiam-no! E nom o podiam permitir, nom o podiam aturar! Estava em perigo o seu status quo imposto pola xorda violência de séculos.
Nom podiam consentir que das mais profundas entranhas do povo trabalhador explorado e empobrecido, agromasse umha alvorada de direitos e liberdades.
Para evitá-lo levavam anos recrutando o restrobalho social, o lumpem, que chegado o momento erradicasse a tiro limpo e a golpe de malheiras quem tinha ousado desputar a obscena hegemonia dumhas poucas famílias. Contavam com individuos desclassados dispostos a eliminar sem compaixom quem tinha organizado os sindicatos campesinhos, as sociedades de ofícios vários, os que destacavam cometendo o “grave delito” de pretender acabar com o analfabetismo e a miséria endémica.
Em Moinhos de 1936, mais do 65% da vizinhança vivia por baixo dos parámetros oficiais de pobreza.
Em Moinhos de 1936 umha boa parte dos homes tinham que emigrar além-mar, trabalhar na seitura em Castela ou de criados na Catalunha, para assegurar o sustento familiar.
Frente a ofensiva da besta fascista, lamentavelmente os dirigentes da Frente Popular respondérom com indecisom e timoratismo. Grave erro que facilitou que umha orgia repressiva de morte, crueldade e sadismo extendesse a desolaçom e a dor por estas belas terras.
Aqui nom houvo frente de guerra, mas sim um extermínio bem planificado e organizado, de todos aqueles que ousárom questionar a sociedade feudal ainda vigente em 1936.
As sanguinárias milícias falangistas de Bande, dirigidas polo “Fragueira”, tentárom exterminar os diretivos do Sindicato Campesinho de Souto, que nom tinham logrado agochar-se ou procurar refúgio em Portugal. O seu presidente, Constantino Fernández Martínez “Catalám”, logrou fugir das suas gadoupas, Manuel García Rodríguez, o seu vicepresidente, após ser detido safou de ser passeado pola intercessom de um parente da sua mulher.
Menos sorte tivo Benito Valencia Bouza, Secretário do Sindicato Campesinho de Souto e Segundo Tenente de Alcalde de Moinhos, executado na ponte do Boado, perto de Ginzo, 1 de agosto de 1936.
O mesmo trágico final padeceu José Álvarez Fernández, carpinteiro e diretivo do Sindicato Campesinho de Souto, executado 14 de setembro de 1936, nom mui longe de aqui, nas touças de Sam Pedro, após ser brutalmente torturado com amputaçom dos genitais. Os castanheiros ainda conservam na sua memória os seus gritos ecoando polas veigas do Límia e o espanto provocado na moradora da Clamadoira.
Muitos outros como o comerciante de Prado, Pío Enriquez Rodríguez, primeiro alcalde republicano de Moinhos, safou porque estava mui enfermo quando os falangistas fôrom buscá-lo à sua casa. Algo similar aconteceu-lhe a José Rodríguez Cardona, filiado ao Sindicato Campesinho de Souto, quem também tivo a sorte de nom ser passeado porque tinha enviuvado com seis filhos ao seu cargo. E ao último alcalde republicano de Moinhos, ao Demetrio Seoane, quem logrou a clemência dos verdugos pola discapacidade física que lhe dificultava caminhar.
A violência em forma de requisas, malheiras, detençons, intimidaçons, ameaças, roubo de propriedades, humilhaçons, foi geralizada. Podemos afirmar que praticamente atingiu quase todas as famílias das doze paróquias do concelho de Moinhos.
Nom tivo limites, até o extremo que naquele bacanal de sangue, no que toda desavinça e litígios se solventavam com disparos, foi executado também mui perto de aqui, na Rola, à beira da alagada ponte do Poldrado, o guarda florestal do Agrelo, Lisardo Rodríguez León, era 19 de agosto de 1936.
Mui longe do seu Moinhos natal, 11 de setembro de 1940 foi fusilado Lino Tejada Rodríguez, filho dumha dessas famílias que durante séculos dominárom estas terras, e penúltimo Governador Civil do Alacant da resistência republicana e antifascista.
Ele, como as suas irmás Rosa ou Olímpia, optárom por aderir à primavera emancipadora que se estava desenvolvendo no período republicano, renunciando aos interesses da sua classe.
É praticamente impossível enumerar todos os que padecérom a brutalidade do fascismo. Mas sim cumpre, hoje e aqui, lembrar os nomes dos que sim sabemos pola documentaçom, que sofrérom nas suas carnes a violência genocida, que penárom nas prisons e cárceres franquistas, e que polas péssimas condiçons sanitárias e higiénicas enfermárom de tuberculose e doenças pulmonares que lhe provocárom morte prematura.
É um dever frente a tanto sofrimento padecido restituir a honra dos detidos e perseguidos, dos exiliados e condenados ao ostracismo:
Isidro Rodríguez Perdiz,
Julio León Fidalgo,
Rogelio Casas Llanes,
Francisco Álvarez Pena,
Aníbal Rodríguez Álvarez,
Manuel Fondevila Fernández,
Santos Campos Álvarez,
Manuel Vázquez Gómez,
José Domínguez López,
José Fernández González,
Sergio Gómez Rodríguez,
Juan Gómez Nocedo,
Santiago Álvarez Penín,
José Álvarez Prieto,
Jaime González Rodríguez,
Dolores Calvo de León,
Manuel Domingo Álvarez Pena,
Julio Álvarez Pérez,
José Rodríguez Vázquez,
Antonio Blanco Araújo,
Luís Álvarez Pena,
Domingo Vázquez Incógnito,
Domingo Salgado Fernández,
Lito Domínguez Suárez,
Juan Fernández Díaz,
Antonio Domínguez Rodríguez “Palomo”,
Francisco de Asís Álvarez Pena
Moinhos, além de ter sido alvo prioritário da limpeza fascista, pola grande implantaçom do Partido Comunista que governava o Concelho e dirigia os sindicatos campesinhos, assim como pola sua estratégica situaçom geográfica, fronteiriça com Portugal, foi durante anos via de escape para centos de antifascistas e republicanos.
Mas também para aviadores aliados abatidos durante a Segunda Guerra Mundial. Assim devemos interpretar a quem correspondem os corpos de dous homes bem vestidos e de aspecto estrangeiro, encontrados mortos possivelmente por disparos, na primavera de 1941 ou 42, na chaira de Dornes, à beira do marco que divide as paróquias das Maus e Couso de Salas. Enterrados no cemitério das Maus de Salas, ambos devemos acrescentá-los à lista de vítimas do fascismo.
Honra e glória para todos eles! Nem um só minuto de silêncio, toda umha vida de combate. O nosso mais emotivo aplauso de reconhecimento!
Esta homenagem nom teria sido possível sem a colaboraçom de dúzias de vizinhos e antifascistas que contribuírom economicamente para sufragar os gastos que conleva.
Devemos agradecer à Comunidade de Montes de Mugueimes e à Sociedade Cultural, Desportiva e Juvenil Fontefria, ao nosso mestre canteiro Diego Currás, a sua implicaçom para render tributo e perpetuar a memória de Benito, José, Lisardo e Lino, e dos presos e exiliados, para que perviva nas novas geraçons. Um forte aplauso para todos eles!
* * *
No Comité pola Memória Histórica do Val do Límia nom concebimos as homenagens e a persistente tarefa de recuperaçom do nosso passado coletivo, como umha jornada nostálgica e ainda menos lacrimógena. Sem lugar a dúvidas, estamos estimulados pola emoçom que nos embarga o trágico final dos nossos seres queridos e a dor provocada nas nossas famílias.
Nom nos conformamos nem nos resignamos a aceitar mansamente o relato dos vencedores.
Mas nós temos os Picos de Fontefria e a Gralheira,
protegendo o Couto Misto e Pitós,
os petos de ánimas e a dureza do granito,
a Clamadoira e os dólmenes do Salas.
Vencérom eles, mas sempre será nosso o Límia oradando o poço do Inferno,
o lince boreal,
Santa Maria de Souto, de Bargês e de Cados,
Sam Salvador de Prado e Santiago de Couso de Salas e de Requiás.
O Poldrado para ir às águas quentes no Banho,
sempre protegidas polo castro de Rubiás,
capital da nossa tribu querquenna,
pátria das imensas carvalheiras.
Vilar de Cas, Güimil, Soutelo, Farnadeiros, Reguego e a Pousa,
Sam André de Porqueirós e Sam Pedro de Parada de Ventosa,
a Pontepedrinha alagada polo eletrofascismo, unindo o Val.
Santa Eulalia das Maus e Sam Miguel de Germeade.
A memória infinda de bandeiras vermelhas
do Sindicato Campesinho de Souto,
superando o suor e o cansaço da sachada de Escouparim,
dirigido polas melhores estirpes do nosso oriente: o Catalám e o García.
As derradeiras lembranças do José Benito na ponte do Boado,
do José Álvarez Fernández gritando nas touças de Sam Pedro,
nos crepúsculos de lume de Salgueiro,
e auroras de Pinhoi, Sam Miguel, Reparade e Paçó.
Somos as feiras de labregos e vacas de Porqueirós e Couso,
o milho dourado,
o adoçado arrecendo de vosta seca nas corredoiras,
as lágrimas e último beijo do adeus da partida para o além-mar da emigraçom.
Alvite, Guntumil, Ranhadoiro, Barrio de Moinhos,
Paços, Abelheira, a Quintá, o Tourós do “Palomo”,
Taboadela, Seoane, Mugueimes e o Agrelo do Lisardo,
o nosso acento, o do Lino Texada em Alacant.
Em mil nove trinta e seis vencérom eles!
mas nós temos a verdade sempre connosco,
nom enganamos nem mentimos,
somos limpos como umha azulada manhá de junho, por isso agora venceremos nós!
Esta homenagem fazémo-lo desde umha indiscutível óptica antifascista, sem aderir à narrativa da falsa equidistância do pósfranquismo, com orgulho dos nossos antepassados, mas também como umha imprescindível labor pedagógica para evitar que um novo 1936 volte a oscurecer as nossas vidas e aniquilar as mornas conquistas recuperadas nas últimas décadas.
Fazémo-lo para que as novas geraçons saibam o que é o fascismo, a ditadura terrorista do Capital, para evitar tratá-lo banalmente. Nom podemos permitir que se trivialice a nova ameaça fascista a escala mundial e ainda menos se subestime o fascismo doméstico.
Desde a nossa fundaçom em março de 2018 levamos alertando sobre o ressurgir do fascismo, do seu lavado de cara em amplos espaços políticos, institucionais e nos meios de comunicaçom.
Como dizia a minha avó Rosa, “filho de porco marrau legítimo”. Sim, o novo fascismo sob a fórmula de Vox e outras forças sem tanta dimensom mediática, é herdeiro direto da “longa noite de pedra”, mas também dos erróneos pactos e acordos da “Transiçom”, que impossibilitárom a rutura com o franquismo, conformando-se como um simples lavado de cara, com umha maquilhagem do regime, que amnistiou todos os involucrados nos crimes cometidos entre 18 de julho de 1936 e junho de 1977.
A besta nunca foi derrotada nem exterminada! Agora desenvolve-se a custa dos erros, da claudicaçom das forças que deviam defender com firmeza os interesses da classe trabalhadora, facilitando a eficaz penetraçom de discursos demagógicos e populistas, que confundem e enganam boa parte dos mais desfavorecidos sobre quem som os responsáveis do processo de depauperaçom e perda de direitos e liberdades que padecemos.
Nom som horas de laiar-se, e sim de tomar posiçom ativa contra esta ameaça. O exemplo de coerência dos que hoje vamos homenagear com a inauguraçom solene do monólito do nosso admirado mestre canteiro Diego Currás, deve estimular-nos para contribuir para construir um poderoso muro antifascista.
De imediato -sem termos que solicitar autorizaçom a ninguém-, o Outeiro da Cela passará a ser um novo lugar da Memória antifascista no Val do Límia. Tal como já som a curva de Fontaboa, a ponte do Boado, Güimil, o Poço do Inferno e o torreiro da igreja de Ferreiros.
Por quinto ano consecutivo, o antifascismo organizado no Val do Límia, honramos quem a narrativa franquista tentou condenar ao esquecimento, a geraçom dos nossos avôs e bisavôs, quem padecérom nas suas carnes a brutalidade do golpe fascista do verao de 1936 por defender os direitos e as liberdades do povo trabalhador e empobrecido.
Cinco anos consecutivos quebrando a amnésia imposta polos vencedores. Se em setembro de 2019, na curva Fontaboa tinhamos identificados 26, agora já som 42! Estamos seguros que som muitos mais.
Nom cessaremos de recuperar a sua memória até identificá-los todos! Até lograrmos a plena restituiçom da verdade, justiça, reparaçom e dignidade de todas as vítimas. Até lograrmos o seu reconhecimento e reabilitaçom, até organizarmos o desagravo a tantas décadas de esquecimento imposto polo franquismo e polo pósfranquismo. Nom pararemos até conseguí-lo!
Viva Moinhos antifascista!
Viva o Val do Límia antifascista!
Viva a Galiza antifascista!
Nom passarám!
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