A brutalidade policial com a que o franquismo sofocou o conflito laboral por um convénio coletivo próprio na fatoria Bazán de Ferrol, assassinando Amador e Daniel a tiros, e ferindo de bala várias dúzias de obreiros, gerou um amplo movimento solidário ao longo do país, com destaque para Vigo.
Por Carlos Morais
1972 foi um ano cruzial na história contemporánea da Galiza. Sem os acontecimentos que tivérom lugar há meio século nom podemos compreender os desafios do presente.
Em 1972 emerge a classe obreira galega como classe para si, tal como descreve o marxismo, convertendo-se no sujeito articulador e vanguarda da resistência e oposiçom popular à ditadura fascista.
Em 1972 o processo de auto-organizaçom do estudantado universitário avança imparável, fazendo das aulas da USC um fervedoiro antifascista. À constelaçom de grupos e partidos da “extrema esquerda” estatal, há que destacar a fundaçom de ERGA, a primeira organizaçom estudantil de ámbito galego. Foi em dezembro, logo do assassinato de Chema Fuentes numha rua de Compostela.
Neste mesmo ano sai do prelo a primeira ediçom do ‘Atraso económico de Galiza’, onde Xosé Manuel Beiras análisa os mecanismos da opressom nacional, caraterizando a dependência como colonial, denunciando o rol periférico que o nosso país tem asignado na divisom internacional do Trabalho imposta polo capitalismo.
Em 1972 poderiam-se ter sentado as bases fundacionais teórico-práticas do ainda inexistente partido comunista combatente, patriótico e revolucionário galego, de genuína composiçom, programa e orientaçom proletária.
As profundas mudanças operadas na morfologia de classes da Galiza ao longo da década de sessenta, com um destacado incremento do proletariado fabril, basicamente concentrado nos principais núcleos urbanos da costa atlántica, unido ao processo de progressivo debilitamento e sinais de obsolescência do modelo de ditadura burguesa emanada do golpe de estado de julho de 1936, som os dous principais fatores que permite entendermos os acontecimentos de 1972.
Tinham passado tam só quatro meses da realizaçom do XX Congresso do PCUS, culminado com a oficializaçom da linha revisionista da coexistência pacífica, quando a principal força política de oposiçom ao franquismo, o PCE, aprova em junho de 1956 a declaraçom “Pola reconciliaçom nacional, por umha soluçom democrática e pacífica do problema espanhol”. A chegada de Carrillo à secretaria geral no 6º Congresso (Praga, janeiro de 1960), ratifica a firme orientaçom liquidacionista cristalizada nos ignominiosos pactos da Transiçom.
O documento, cujas teses estám inspiradas nas propostas realizadas polo PCI de Togliatti em 1947, marca as diretrizes da estratégia de renuncia à via insurrecional para derrubar o fascismo, apostando na negociaçom com aqueles setores e fraçons disidentes do aparelho franquista (monárquicos, liberais, democratas cristiaos, falangistas) funcionais para representar os interesses daquela burguesia, que com lucidez sabia que era imprescindível realizar mudanças cosméticas no modelo do capitalismo monopolista para assegurar e perpetuar a sua dominaçom de classe.
O PCE necessitava demostrar que tinha umha influência ascendente entre a classe obreira e o estudantado, e que pola sua renúncia a umha estratégia revolucionária, tinha logrado penetrar entre os setores mais jovens das profissons liberais e da inteletualidade vinculadas ao “desenvolvementismo franquista”.
O abandono dos objetivos da reinstauraçom da República da etapa guerrilheira, da rutura democrática e da retórica do horizonte socialista, pola aséptica e enganosa demanda de “democracia”, facilitava o pactismo com essa fraçom burguesa que necessitava despreender-se do arcaico modelo de dominaçom franquista, que dificultava a integraçom do Estado espanhol na CEE e na OTAN, portanto facilitar o alargamento de mercados e inserçom no espaço económico das burguesias da Europa ocidental.
De março a setembro, estado de permanente efervescência obreira
A brutalidade policial com a que o franquismo sofocou o conflito laboral por um convénio coletivo próprio na fatoria Bazán de Ferrol, assassinando Amador e Daniel a tiros, e ferindo de bala várias dúzias de obreiros, gerou um amplo movimento solidário ao longo do país, com destaque para Vigo.
O março sangrento de 1972 demonstrou o incremento exponencial de condiçons subjetivas em amplos setores do povo trabalhador galego para avançar na luita de classes e antifascista, na necessidade de agudizar as contradiçons e aprofundar na complementaçom dos métodos de luita.
As greves de maio de 1962, que sacudíram umha década antes as principais fábricas e centros de trabalho de Vigo, som o ponto de inflexom que permite a fulgurante reorganizaçom do movimento obreiro, no que posteriormente serám as CC.OO, como espaço reivindicativo de demandas laborais, aglutinante do pluralismo ideológico.
A linha pactista do PCE tinha gerado um regueiro de cisons, continuava produzindo fendas e ruturas nas suas fileiras, maioritariamente inspiradas no maoismo, que nesta altura tentárom sem êxito desputar a hegemonia eurocomunista no movimento obreiro.
A greve proletária que durante duas semanas, no setembro vermelho viguês, pujo em xaque à ditadura, foi na sua concepçom inicial mais um ensaio, um simulacro, para aperfeiçoar a “Greve Geral Pacífica”, com a que a direçom do PCE pretendia acelarar a Transiçom reforçando a sua posiçom nas mesas de negociaçom.
As ruturas no seio do PCE, Juventudes Comunistas e CC.OO, um ano antes, logo de um turbulento processo interno, tinha cristalizado na criaçom de Organizaçom Obreira, um híbrido entre partido-força sindical, que habilmente, ao igual que Galicia Socialista posteriormente integrada na UPG, apoiou o movimento grevista gerado polos despedimentos do conflito “artificial” promovido para demandar a supresom da semana laboral “inglesa” em Citroën.
A medida que a a greve se ia extendendo polas principais empresas de Vigo e comarca, e portanto o PCE via perigar o seu movimento tático, desbordado pola dimensom atingida pola resposta obreira, a cada vez maior combatividade dos setores mais avançados da mesma, e a desputa hegemónica de OO, vai progressivamente repregando forças, divulgando derrotismo, forçando a desconvocatória.
A greve que paralisou a indústria, o transporte, e implicou umha boa parte do povo trabalhador, a diferença da de maio, finalizou sem vitórias táticas porque o PCE já tinha logrado o seu verdadeiro objetivo de demostrar a sua influência e capacidade. Mas também polo cansanço e os efeitos da repressom policial exercida pola sanguinária BPS e as unidades especiais da Policia Armada, e as intimidaçons do patronato mediante centos de cartas de despedimento.
“Roma nom paga a traidores”
O PCE demorou mais de oito décadas em voltar a situar militantes no Conselho de Ministros do governo espanhol.
Som indiscutíveis as suas responsabilidades em facilitar o êxito da operaçom camaleónica de substituir o fascismo polo atual regime pósfranquista sem depuraçom nem mudança algumha nas estruturas de dominaçom. Porém, paradoxalmente o PCE foi umha das principais vítimas políticas dos acordos que rubricou. A burguesia incumpriu o pacta sunt servanda, num progressivo processo visado para conduzí-lo à irrelevância política e ao permanente fora de jogo no taboleiro institucional.
Nos quarenta e cinco anos de regime bourbónico, salvo em concretos, discontínuos e localizados momentos, as castas pequeno-burguesas que dirigem o PCE nom lográrom gerir o anaco de pastel que a burguesia lhes prometeu em troques de agir de muro de contençom, em força estabilizadora da ditadura burguesa.
Nestas quatro décadas as suas políticas tenhem contribuído para desmobilizar e desarmar a classe obreira, e facilitar a penetraçom no seu seio das diversas lacras posmodernas que teimam substituir a contradiçom Capital-Trabalho polos modismos do momento.
Comemorar e recuperar o 72
As iniciativas em marcha comemorativas do 72 no seu sentido mais amplo, nom devem ficar numha mera homenagem nostálgica à geraçom que há meio século luitou contra a forma concreta que adotava naquela altura a exploraçom capitalista.
Devemos recuperar as principais leiçons do ano que marcou um caminho para mudar Galiza, um espírito rebelde que permite compreender a sua pegada na longa, intensa e combativa greve de Ascón [fevereiro-outubro de 1978], ou no movimento estudantil de ensino médio em prol de pases pro bus, que entre outubro e dezembro de 1980, e já de forma intermitente nos primeiros meses de 1981, deixou fora da circulaçom metade da frota de Vitrasa.
É a classe obreira a única com potencialidades revolucionárias e com capacidade real para imbricar o conjunto do povo trabalhador e empobrecido numha estratégia de luita, que em base às reivindicaçons táticas de cada segmento oprimido e explorado, conflua no horizonte estratégico de transitar face a superaçom da exploraçom e dominaçom de classe e emancipaçom nacional.
O 50 aniversário do 72 deve ser aproveitado para resgatar do esquecimento a memória histórica proletária, estudando o seu significado e apreendendo das suas achegas teórico-práticas.
Este 50 aniversário deve servir-nos para avançar no combate ideológico do amorfismo cidadanista e do ilusionismo eleitoral, caraterizador do conjunto dessas “esquerdinhas” que mesmo negam a existência da classe trabalhadora.
Deve ser útil para edificarmos umha alternativa com vocaçom de massas a esse desfigurado progressismo pequebu de confete, purpurina e beijinhos, alheio e negador da realidade material da luita de classes.
O exemplo de 1972 deve ser inspiraçom para que os modestos destacamentos do comunismo revolucionário galego avancemos na recuperaçom dos espaços políticos e sociais hegemonicamente obreiros, com plena independência de classe. Dando passos firmes na ensamblagem das peças com as que construirmos o cada vez mais necessário partido do proletariado e de todos os oprimidos.
Mas também neste aniversário cumpre estudar, analisar, verificar e atualizar as teses da nossa dependência nacional, a imprescindível imbricaçom da conquista da soberania e independência nas tarefas da Revoluçom Socialista Galega.
Na Pátria, 20 de janeiro de 2022
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